CAPÍTULO III O Zeferino era afilhado do morgado de barrimau, um major de cavalaria, convencionado em Évora Monte, miguelista intransigente, mas cordato. Vivia no seu escalavrado solar com um irmão egresso beneditino, frei Gervásio, muito cevado e inerte, que continuava em casa a sua missão monástica. Era um contemplativo. Não lia senão no livro da natureza. Se não dormia, estrumava o seu vegetalismo com muitos adubos crassos de toucinho e capoeira, com um grande farfalhar de mastigação, porque dispunha de dentadura insuficiente. Tinha outro sinal ruidoso de vida - era um pigarro de catarral crónica, arrancado dos gorgomilos com tamanho estrupido que parecia ao longe o grito rouco de um estrangulado, no 5° acto de um drama de costumes. A velha criada da cozinha, muito flatulenta, nunca pudera afazer-se às explosões daquela garganta escabrosa de mucos empedrados. Quando o grasnido aspérrimo de pavão lhe feria os ouvidos, reboando nos côncavos tetos dos salões, a mulher estremecia e raras vezes deixava de resmungar: - que medo! Credo! Diabos leve a esgana do homem. Deus me perdoe!
De dois em dois meses apareciam em barrimau dois egressos de cabeceiras de basto, companheiros de noviciado de frei Gervásio. Juntavam-se os três amigos numa intimidade de palestras saudosas. Com intercadências mudas de poética tristeza, comemoravam os seus conventuais falecidos, rezavam juntos pelos seus breviários beneditinos; depois, a passo cadencioso, claustral, iam para a mesa com o recolhimento prescrito pela regra do patriarca. Aí, pegava de puxar por eles a natureza objetiva, e dava-lhes horas de salutar esquecimento do passado irreparável. Gorgolejavam copiosamente os vinhos engarrafados, traiçoeiros, da companhia, em que frei Gervásio derretia a prestação; porque, de resto, a mesa do mano morgado era farta e a sua bolsa generosa para as moderadas necessidades do egresso.