Contou-me isto secamente do extinto cunhado, ao mesmo tempo que roçava com a mão fagueira o ventre grávido de uma gata maltesa que lhe resbunava no regaço, passando-lhe pela cara a cauda em atritos de ama flacidez de arminho. E eu que dedico aos bichos um afeto nostálgico, uma sensibilidade retroativa, um atavismo que me retrocede aos meus saudosos tempos de gorilha, olhava para a gata que me piscava um olho com uma meiguice antiga - a das meninas da minha mocidade que piscavam. Onde isto vai!
A Sra. Joaquina, para me obrigar a um eterno reconhecimento, ofereceu-me uma das crias da sua gata que andava para cada hora e se chamava velhaca - disse com a satisfação de quem completa um esclarecimento interessante. Agradeci o porvindouro filho da velhaca, fiz uma carícia no dorso crespo da mãe, que ma recebeu familiarmente, e sai com os livros velhos empacotados em duas bulas de 1816 e 1817 que a Sra. Joaquina, com um riso cético indisciplinado, me disse serem do tempo dos afonsinhos. - porque o seu sogro, acrescentou, era um asno às direitas que comprava a bula para poder comer carne em dia de jejum; e, sem que eu a provocasse a vomitar heresias, disse que os padres vendiam a bula e compravam a carne; e, juntando é heresia um anexim de limpeza muito duvidosa, disse o que quer que fosse a respeito dos pecados que entram pela boca.
Depois informaram-me que esta viúva, bastante estragada no moral e ainda mais no físico, andara de amores ilícitos com um escrivão do juiz de paz, o barroso, um dos 7500 do Mindelo, que lera o bom senso do cura João Meslier, e a saturara de má filosofia, e também a esbulhara de parte dos seus bens de raiz e do melhor da sua riqueza - a fé, o bordão com que as velhas e os velhos caminham resignados e contentes para os mistérios da eternidade.