- É Norberto! - disse Bernardo Moniz.
Era. Era ele, atabafando o lume pegado na jaqueta e esfriando com as mãos as longas barbas crestadas.
- A fidalga? - exclamou ele.
- Não está aqui - disse Bernardo.
- Está fora?
- Está.
- Que fazem os senhores? - disse o Calvo, sacudindo os braços freneticamente, e batendo com a coronha da clavina no tabuado. - Querem aqui morrer? Que diabo de defesa foi esta? Porque não saíram logo que pegou o fogo? Saiam, saiam, pelo amor de Deus ou do Diabo!
- É o que íamos fazer - disse o médico. - Vão abrir-se as portas, para não sairmos juntos; parece-te o melhor?
- Vá então, depressa; que por este lado já mal se pode sair.
- Temos outras portas.
- Então, repartam-se - clamou Norberto. - Sr. Bernardo, havemos de sair juntos, por este lado por onde eu vim.
- Mas tu vinhas a arder... - objetou o estudante.
- Vinha; mas não ardi. Cá me entendo. Logo lhe direi porque vamos por este lado. Vossa Senhoria atire dois saltos assim que passar pelo fogo. Havemos de sair pela porta da capela, que está a arder. É já!
Bernardo acompanhou-o, quase afogado de fumo, e sentindo estalar e gretar lume os degraus da escada. Passaram por um corredor estreito à tribuna da capela, que começava a esboroar-se pelo tabique divisório do restante edifício. A frágil porta, em que o artista alardeara engenho de lavores, sem olhar à robustez, tinha saltado em rachas, batida por uma espécie de catapulta que os inventivos Frazão e Torto arranjaram com o cabeçalho de um carro metido de pontoada à franzina madeira.
- É por ali! - disse Norberto, apontando a porta e levando consigo Bernardo.
- Estão lá dois homens.
- Bem sei... são os criados do abade.
- E eu não tenho arma.
- Nem é preciso.