O Retrato de Ricardina - Cap. 15: CAPÍTULO XV - COMO O SENTIMENTO DA GRATIDÃO FEZ UM TIGRE Pág. 100 / 178

em grupos, nos pontos mais eminentes dos arredores, a cada surriada de espingardaria, lembrava-se dos seus filhos, das suas mulheres, do sossego das suas casas, e recuava até ganhar outro ponto e observação menos arriscado. Ainda assim, os mais audazes despejavam as suas caçadeiras, gritando: “Acudam! Acudam!”

Os salteadores respondiam enviando lá para o escuro de onde vinha o alarido balas não de todo perdidas; porque o silvar de um pelouro nas ramagens do arvoredo era que farte prova de não ser desprezível o socorro, visto que os ladrões o temiam. Entretanto, debandavam os aldeãos, como se desdenhassem da vitória. O posto dos assediados era, só comparável, na aflição, ao de Norberto Calvo.

Bernardo Moniz foi de aviso que rompessem todos ao portão, e arrostassem com os salteadores.

- Morrer queimados - . dizia ele - ou morrer a tiro importa o mesmo.

- Vamos sair; mas não juntos - obstou o médico. - Abram-se a um tempo as seis saídas da casa, e cada qual rompa, não contra eles, que são muitos; mas vamos chamar o povo, que há de socorrer-nos em nos vendo fora. Salvemos as vidas; mas não esqueçamos que estão aí quatro baús com toda a nossa fortuna!

- Depressa, que daqui a pouco estamos asfixiados! - exclamou Bernardo. - Quem nos dá balas?

- Temos pólvora somente - disse o padre, e, apontando para os três criados, continuou: - Estes homens deram mais de cinquenta tiros ao ar. Eu bem lhes dizia.

- De que nos servem as balas? - disse Francisco Moniz. - A nossa salvação é fugir, não é atacar.

Neste lance, ouviram um grande tropel de quem subia a escada de comunicação para a parte da casa por onde as línguas de fogo já espadanavam nas ombreiras das janelas.

- Aí estão! - exclamou o teólogo.

- Fidalga! Fidalga! - ouviram eles gritar.





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