O Retrato de Ricardina - Cap. 24: CAPÍTULO XXIV - A NETA DO ABADE DE ESPINHO Pág. 151 / 178

.. Pergunta-me como pude eu mentir-lhe dizendo que era de Lisboa... Jesus!

- Não sei, não quero saber disso - contrariou a viúva. - Diga-lhe a verdade, e esconda-lhe o que somente for necessário... Não lhe diga o nome do pai pois não é assim?

- Não sabe, minha sobrinha, quanto é singular o carácter do meu filho... Perderei eu do seu amor por lhe ter mentido?

- Isso pode lá acontecer, tia Ricardina!... Estou doida - prosseguiu em desencadeadas ideias a viscondessa. - Estou doida!... A minha tia!... e ainda tão bonita!... Bem me dizia minha mãe: “Se tu visses tua tia Ricardina, verias a mulher mais formosa do mundo.” E depois de tantas amarguras, estar assim, que não representa mais de trinta anos!... Quantos tem meu primo?

- Vinte e dois, minha querida Matilde.

- Que prazer me deu agora! - exultou a viúva abraçando impetuosamente a tia. - Olhe que ainda me não tinha tratado por tu... Tem então meu primo Alexandre vinte e dois anos?

- Vinte e dois.

- E eu vinte, e mais dois meses. Veja lá, minha tia! E já viúva... Não lhe parece que tenho trinta anos?

- Não, criança!

- Imagina lá quanto eu tenho padecido desde que me sacrificaram... Estou rica; foi para isto que me casaram... Que aconteceu? Perdi a amizade do meu pai, porque fui eu a primeira a abominar o despotismo, a violência com que me repeliu de si. Depois...

- Está a caleche pronta - avisou a criada.

- Vamos, vamos! Ah!... espere.

E chamando a criada, juntou:

- Vai buscar o meu casaco de veludo preto para a minha tia, que está frio.

- Para quem, Sr.ª. Viscondessa?

- Para minha tia Ricardina, que é esta senhora... Depressa.

A viscondessa, em verdade, representava uma menina de 10 anos, sem poder sofrear os raptos da infantil alegria.





Os capítulos deste livro