O Retrato de Ricardina - Cap. 24: CAPÍTULO XXIV - A NETA DO ABADE DE ESPINHO Pág. 152 / 178

Enquanto a criada não veio com o casaco, beijou a tia, quis levantá-la nos braços, anediou-lhe os cabelos, sentou-a no colo, aqueceu-lhe as mãos com o bafo, rebeijou-a nos olhos.

- A felicidade pode endoidecer as pessoas que resistiram à desgraça, minha tia? - perguntava ela descendo ao pátio onde as urcas escarvavam impacientes no lajedo.

- Onde é o escritório? - perguntou a viscondessa.

- Não sei... - disse a tia.

- Nós perguntaremos aí no Chiado.

Contava-se, ao outro dia, no Marrare, que a viscondessa da Gandarela enviara da portinhola da caleche um recado pelo trintanário ao jornalista Alexandre Pimentel, o qual saiu logo do escritório da redação, e, depois de uma curta demora, voltou a sentar-se à banca, onde concluiu um artigo invectivando a autenticidade das cortes de Lamego. Este caso devia ser mediocremente reparável numa cidade em que enxameiam damas que melificam as bocas dos oradores parlamentares, e sugerem em cabeças rombas argutos Girardins.

Não lembrou a ninguém que a gentil viscondessa da Gandarela se bandeasse em tribo política inversa das ideias do jornalista, e se aventurasse, arriscando os créditos, a raptar por tão direta investida a inteligência mais poderosa da oposição. A crítica era mais verosímil. Dizia o predominante boato que o excêntrico Alexandre vingara enlouquecer a cabeça da viúva, levando-a à

extremada afoiteza e desprimor de o ir, de noite, procurar no escritório do jornal. Era notável o espanto! Espanto que ainda é notável nos casos análogos e milésimos, não faltando quem a esses casos vai chamando sempre originais, embora os tenha às dezenas na sua freguesia, na sua rua, e não direi às dezenas na sua casa, porque seria exagerar: basta um ou dois para não desmentir a originalidade dos que sobrevierem.





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