O Retrato de Ricardina - Cap. 24: CAPÍTULO XXIV - A NETA DO ABADE DE ESPINHO Pág. 150 / 178

.. Morreu, tão amaldiçoado, que não pôde legar os seus apelidos ao filho, nem ele sabe, o meu pobre anjo, quem foi seu pai... Como havia de escrever eu a minha irmã, sem que o meu filho entrasse no conhecimento da sua misteriosa origem? Que desculpa lhe daria do meu silêncio? Como poderia eu dizer-lhe: “Sabe quem foi teu pai; mas não o digas; porque a sociedade te carregará com o desprezo que ainda pesa sobre a memória do teu pai.” Aqui tem, minha sobrinha, a razão porque não escrevi à minha irmã, que tanto chorou na última hora em que eu fui, tão desgraçadinha, tão morta de mil angústias, atirada ao desamparo; mas, meu Deus, porque me queixo?! Que santa me enviou o Senhor! Devo-lhe a formatura do meu filho, que lhe nasceu nos braços... Se ela não fosse, quem descobriria a grande alma do meu filho e o talento que lhe dá a certeza do pão de cada dia!

Interrompeu-a a viscondessa, exclamando de golpe:

- Onde está meu primo?

- No escritório da redação do seu jornal.

- Vamos buscá-lo, minha tia? - disse ela radiosa de júbilo.

- Que surpresa, meu Deus! - disse a mãe com ansiosa alegria.

- Vamos? Como há de ser? Que lhe diz? Nós combinaremos.

E, carregando num botão de campainha, disse à sua criada de quarto que mandasse imediatamente pôr os cavalos à caleche. E, voltando para a tia, continuou:

- Já sabe que está na sua casa? Que não torna para a Rua dos Calafates? Que vou dar as ordens para se arranjarem os quartos? Olhe, o seu está pronto, que é o meu. Pelo menos enquanto não conversarmos quinze dias e quinze noites, nem a deixo dormir, nem sair da minha câmara.

- Mas olhe, filha! - atalhou D. Ricardina - como hei de eu explicar ao meu Alexandre este encontro? Ele pergunta-me se eu ignorava que tinha uma irmã.





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