O Retrato de Ricardina - Cap. 6: CAPÍTULO VI – AGONIAS Pág. 36 / 178

Renovou-se-lhe, em sossegado pensamento, a fuga do mundo para algum solitário mosteiro. Pintavam-se-lhe na fantasia as doçuras de tribulação semelhante à de Ricardina. Evasiva que tanto quadrasse ao seu estado não via outra nem queria já pensá-la.

Resolvidamente lho declarou assim a ela, despedindo-se em reportados termos e sublime conformidade com os desígnios do Altíssimo. Redarguiu Ricardina, reprovando-lhe o intento. “Eu não vou por vontade para a clausura”, escreveu ela. “Vou constrangida: nunca me hei de arrepender de um passo que sou obrigada; mas tu sacrificas-te sem com isso melhorar a minha sorte. Eu ia com esperanças de ver-te. Se vais para o convento, acabou-se-me tudo. Peço-te que não vás. Não sei o que me diz o coração...”

Ao outro dia, por tarde, chegou o padre Botelho de Queirós, e procurou Norberto antes de perguntar por Clementina.

- Não há novidade. - disse o criado. - Rondámos desde as nove da noite, ora um, ora outro, até ao dia. Cá em casa não entrou fôlego vivo, e as fidalgas nem às janelas foram, que eu visse.

- Está bom.

As meninas saíram ao patim da escada a beijar-lhe a mão. Cedeu-a com repugnância a Ricardina, e afagou as faces da outra.

Ceou bem assombrado, e não releu o livro do sei Fr. Mateus Brandão contra o ateu Gomes Freire: não leu nada, nem o breviário. O abade de Espinho, quanto crenças religiosas, era ultraliberal, tirante certas superstições, que essas eram arquiestúpidas. Dialogou assim com D. Clementina:

- E então? A rapariga? Mudou?

- Não.

- Que lhe disseste?

- Nada. É escusado pregar-lhe. Quer ir para o convento.

- Depois de amanhã. Ficou alguém encarregado de tirar as licenças do bispo de Lamego.

- Ela vai para Lamego?

- Sim, vai para o Convento das Chagas.





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