O Retrato de Ricardina - Cap. 11: CAPÍTULO XI - MEMÓRIAS DOLOROSAS Pág. 70 / 178

Espantou-se, mas não a contrariou o servo. Saiu Ricardina, a pé, atravessando os choupais que entremeavam por distância de légua e meia. Soavam três horas da manhã, quando o criado lhe mostrou a janela do quarto de Bernardo Moniz. Via-se luz pelos resquícios das portas entrecerradas. O criado bateu. Abriu-se outra janela, e saiu o médico perguntando. Respondeu o criado conhecido. Desceu Francisco Moniz atemorizado e perdeu a cor e a voz quando viu Ricardina.

- Aqui... - balbuciou ele.

- Venho ver Bernardo... - disse a senhora entrando e subindo ofegante de cansaço.

- Jesus! - murmurou Moniz.

- Que é?! - exclamou ela, aterrada pela hesitação do médico. - Ele está pior?

- Não, minha senhora, não está; mas...

Ricardina subiu pressurosamente as escadas; e, como no primeiro andar ficasse perplexa sem saber por qual dos lados entraria, chamou Bernardo em gritos aflitivos.

O teólogo, que vinha então saindo do seu quarto, deu com ela de rosto, e disse a meia voz:

- Sra. D. Ricardina, entre, entre. O meu irmão não está em casa; mas volta daqui a poucas horas. Peço-lhe encarecidamente que não levante a voz; porque será perigoso saber-se que o meu irmão Bernardo não está em casa.

- Mas aonde está? - murmurou Ricardina a tremer.

- Queira sentar-se e sossegar. Conversaremos de espaço.

- Mas diga-me pelo amor de Deus que é isto? Ele escreveu-me uma carta muito amargurada... Ai! que o meu coração me disse que havia uma grande desgraça.

- Grande desgraça, não, minha senhora - interveio o médico. - O mano Bernardo foi tratar de certos negócios respetivos à política; não podia deixar de ir esta noite; mas na volta das dez horas da manhã está em casa. Descanse, menina. Perigo não terá nenhum, se os seus gemidos não chegarem à casa deste lado, onde moram estudantes, e podem suscitar desconfianças.





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