O Retrato de Ricardina - Cap. 11: CAPÍTULO XI - MEMÓRIAS DOLOROSAS Pág. 71 / 178

- Então o pai procura-me? - interrompeu ela sem entender de outra sorte o perigo das desconfianças.

- Não, minha senhora. O seu pai está na abadia - prosseguiu o médico, logrando prender-lhe o agitado espírito. - Dizem-nos cartas da terra que ele tem ataques de fúria e ameaça o nosso velho pai de lhe queimar as casas; mas, querendo Deus, a proeza não lhe será fácil, salvo se, como lá julgam, ele capitanear algumas guerrilhas que já se movem na Beira a favor de D. Miguel absoluto. Não é, porém, de esperar que o pai de vossa Senhoria, além de sacerdote, cavalheiro, e sobretudo ministro de paz, se manche nas demasias populares, sobrepondo em si toda a responsabilidade das malfeitorias que se praticarem. O seu pai não será tão rancoroso que, sabendo que a Sra. D. Ricardina é esposa do nosso irmão... Não tardará que seja. Vi uma carta do capitão-mor de Sintra anunciando ao filho que na volta do segundo correio, viria a provisão régia para se realizar o casamento, sem intervenção do pai de vossa Senhoria.

Prolongou-se a prática, em que D. Ricardina escassamente falou, até às seis da manhã. Queixou-se ela de forte dor de cabeça. O médico e o teólogo saíram da alcova de Bernardo, pedindo-lhe que conciliasse o sono. Eram sete horas, quando Ricardina caiu num marasmo sonolento com intermitentes de dormir e despertar sobressaltado.

À mesma hora, uma légua além de Condeixa, no sítio chamado Cartaxinho, saíram de súbito à comitiva da deputação treze homens armados, com os rostos mascarados ou cobertos de lenços. Pararam as caleças em frente das clavinas abocadas aos peitos dos condutores. O agressor que parecia acaudilhar a jolda aproximou-se das caleças, com a arma inclinada sobre o antebraço esquerdo, cotovelo levantado, e o dedo no gatilho.





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