O Retrato de Ricardina - Cap. 13: CAPÍTULO XIII - NORBERTO CALVO Pág. 80 / 178

CAPÍTULO XIII - NORBERTO CALVO

Bernardo Moniz, António Maria das Neves Carneiro e os dois inominados fugitivos , quando ouviram o tropel de cavalos e grita do povo a distância tão curta que apenas se interpunha o rescaldo de um outeirinho, desceram por barrocas precipitosas procurando o sopé da escarpa que entestava com um ribeiro fundo, cortado por ponte de um arco.

Chegados ao rio, lançaram-se à corrente, e foram ao arrepio até ganharem, acobertados pelos salgueiros, o arco da ponte. A este tempo, já o alarido e tinir das espadas nos ilhais dos cavalos soava perto deles ao alcance de tiro. Cingidos com o arco, fincados às pedras escorregadias dos limos, e com a água pelos peitos, ouviram a estropeada da cavalaria que passava a trote pela curvatura da ponte vacilante. Os aldeãos corriam na frente dos cavalos, galgando a ladeira da outra margem, e opinando desencontradamente. Uns diziam: “Ficam já atrás!”, outros teimavam que os tinham visto passar num teso distante dois tiros. A maioria decidiu-se pelo testemunho ocular, e redobrando a velocidade da carreira, transpuseram todos de roldão as penedias e pinheirais que recortavam o horizonte.

- Não sei qual das mortes é mais suave, se a da pólvora quente se a da água fria... Hei de consultar o corpo catedrático... - disse António Maria Carneiro, tiritando em convulsões glaciais.

- Parece-me que esta morte é a mais ignominiosa das duas - observou Bernardo.

- Séneca morreu num banho; mas banho de água tépida - disse Carneiro.

- Os Romanos sabiam morrer confortavelmente - disse o padre.

- Vamos ver se ainda conservamos a natureza de focas? - disse Carneiro. - Declaremo-nos animais anfíbios, e vamos um pouco para terra.

- Parece incrível - disse o outro inominado - que vocês, depois de uma hora de molho, ainda tenham sal! Eu declaro-me estúpido como um carapau.





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