Bernardo Moniz, António Maria das Neves Carneiro e os dois inominados fugitivos , quando ouviram o tropel de cavalos e grita do povo a distância tão curta que apenas se interpunha o rescaldo de um outeirinho, desceram por barrocas precipitosas procurando o sopé da escarpa que entestava com um ribeiro fundo, cortado por ponte de um arco.
Chegados ao rio, lançaram-se à corrente, e foram ao arrepio até ganharem, acobertados pelos salgueiros, o arco da ponte. A este tempo, já o alarido e tinir das espadas nos ilhais dos cavalos soava perto deles ao alcance de tiro. Cingidos com o arco, fincados às pedras escorregadias dos limos, e com a água pelos peitos, ouviram a estropeada da cavalaria que passava a trote pela curvatura da ponte vacilante. Os aldeãos corriam na frente dos cavalos, galgando a ladeira da outra margem, e opinando desencontradamente. Uns diziam: “Ficam já atrás!”, outros teimavam que os tinham visto passar num teso distante dois tiros. A maioria decidiu-se pelo testemunho ocular, e redobrando a velocidade da carreira, transpuseram todos de roldão as penedias e pinheirais que recortavam o horizonte.
- Não sei qual das mortes é mais suave, se a da pólvora quente se a da água fria... Hei de consultar o corpo catedrático... - disse António Maria Carneiro, tiritando em convulsões glaciais.
- Parece-me que esta morte é a mais ignominiosa das duas - observou Bernardo.
- Séneca morreu num banho; mas banho de água tépida - disse Carneiro.
- Os Romanos sabiam morrer confortavelmente - disse o padre.
- Vamos ver se ainda conservamos a natureza de focas? - disse Carneiro. - Declaremo-nos animais anfíbios, e vamos um pouco para terra.
- Parece incrível - disse o outro inominado - que vocês, depois de uma hora de molho, ainda tenham sal! Eu declaro-me estúpido como um carapau.