1984 - Cap. 12: Capítulo XII Pág. 150 / 309

É por isso que gosto dele. É um pedacinho de história que se esqueceram de alterar. É uma mensagem de cem anos atrás, se ao menos soubéssemos lê-la. - E aquela gravura ali - Júlia indicou com a cabeça o quadro na parede oposta - também tem cem anos de idade? - Mais. Talvez duzentos. Não se sabe. Hoje em dia é impossível descobrir a idade de qualquer coisa. Ela foi espiá-la.

- Foi aqui que o bruto meteu o focinho - disse, dando um chute no rodapé, logo abaixo do quadro.

- Que lugar é esse? Já vi essa casa.

- É uma igreja, ou foi uma igreja. Chamava-se S. Clemente dos Dinamarqueses. - O fragmento de cantiga que o Sr. Charrington lhe ensinara voltou-lhe à memória e ele acrescentou, quase com saudade: - Laranjas e limões, dizem os sinos de S. Clemente!

Para sua imensa surpresa, Júlia continuou:

- Me deves três vinténs, dizem os sinos de S. Martinho, Quando me pagarás? dizem os sinos de Old Bailey... Não me lembro como é que continua. Só sei que acaba assim: Aí vem uma luz para te levar para a cama. Aí vem um machado para te cortar a cabeça!

Pareciam santo e senha. Mas devia haver outro verso depois de "os sinos de Old Bailey." Talvez conseguisse arrancá-lo da lembrança do Sr. Charrington, se o espicaçasse bem.

- Quem te ensinou isso?

- Meu avô. Costumava cantar-me essa cantiga quando eu era menina. Foi vaporizado quando eu tinha oito anos... ou pelo menos desapareceu. O que será, limão? -acrescentou, inconsequente. - Já vi laranja. É uma espécie de fruta redonda, amarela, com casca grossa.

- Eu me lembro do limão. Era bem comum até 1950 e pouco. Era tão azedo que só de cheirar a gente ficava com a boca amarga.

- Aposto que esse quadro tem bichos por trás - disse Júlia.





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