- Não - ele concordou, um pouco mais esperançado.
- É verdade. Não penetram na gente. Se podes sentir que vale a pena continuar humano, mesmo que isso não dê o menor resultado, terás vencido os torturadores. Ele pensou na teletela com seu ouvido insone. Podiam espionar o indivíduo noite e dia, mas se ele não perdesse a cabeça ainda conseguia ludibriá-los. Com toda a sua sagacidade, não tinham jamais conquistado o segredo de descobrir o que pensa outro ser humano. Talvez isso fosse menos verdade quando o cidadão lhe caísse nas unhas. Não se sabia o que acontecia dentro do Ministério do Amor, mas era possível adivinhar: torturas, drogas, delicados instrumentos que registravam as reações nervosas do paciente, e o desgaste gradual pela falta de sono, a solidão, o interrogatório persistente. Pelo menos, seria impossível ocultar fatos. Podiam ser encontrados pela pergunta, e arrancados pela tortura. Mas se o objetivo era não tanto continuar vivo como continuar humano, que diferença poderia fazer, no fim? Não podiam alterar os sentimentos do indivíduo: nem ele próprio o consegue, mesmo que o deseje. Podiam desnudar, nos mínimos detalhes, tudo quanto houvesse feito, dito ou pensado; mas o imo do coração, cujo funcionamento é um mistério para o próprio indivíduo, continuava inexpugnável.