Crimedeter, em suma, significa estupidez protetora. Mas estupidez não basta. Pelo contrário, a ortodoxia, na sua expressão lata, exige sobre o processo mental do indivíduo controle tão completo quanto o de um contorcionista sobre seu corpo. Em última análise, a sociedade oceânica repousa na crença de que o Grande Irmão é onipotente e o Partido infalível. Mas como na realidade nem o Grande Irmão é onipotente nem o Partido infalível, é preciso haver uma incansável flexibilidade, de momento a momento, na interpretação dos fatos. Aqui, a palavra chave é negrobranco. Como tantas outras palavras da Novilíngua, esta tem dois sentidos mutuamente contraditórios. Aplicada a um adversário, caracteriza o hábito de afirmar impudentemente que o negro é branco, em contradição aos fatos evidentes. Aplicada a um membro do Partido, significa leal disposição de dizer que o preto é branco quando o Partido o exige. Significa, também, a capacidade de acreditar que o preto é branco, e mais ainda, de saber que o preto é branco, e de acreditar que jamais se imaginou o contrário. Isto exige contínua alteração do passado, possibilitada pelo sistema de raciocínio que na verdade abrange tudo o mais, e que em Novilíngua se chama duplipensar.
A alteração do passado é necessária por duas razões, uma das quais é subsidiária e, por assim dizer, precautória. A razão subsidiária é de que o membro do Partido, como o proletário, tolera as condições atuais em parte por não possuir padrões da comparação. Deve ser isolado do passado, da mesma forma que deve ser isolado do estrangeiro, porque lhe é necessário crer que vive melhor que os ancestrais e que o nível médio de confôrto material sobe constantemente.
Todavia, a razão mais importante para o reajuste do passado é a necessidade de salvaguardar a infalibilidade do Partido.