1984 - Cap. 19: Capítulo XIX Pág. 250 / 309

Havia ocasiões em que a pancadaria continuava longamente, até o cruel, perverso, imperdoável, não ser mais a brutalidade dos guardas, mas o fato de não poder perder os sentidos à vontade. Doutras, a coragem de tal modo lhe fugia que começava a implorar misericórdia antes dos golpes começarem, e quando a simples vista de um punho fechado era suficiente para levá-lo a confessar um chorrilho de crimes reais e imaginários. Havia vezes em que começava com a decisão de nada confessar, em que cada palavra lhe tinha de ser arrancada entre gemidos de dor, e outras em que tentava debilmente resistir mais um pouco, dizendo: "Confessarei, mas ainda não. Devo aguentar até que a dor se torne insuportável. Mais três pontapés, mais dois, e então direi o que querem." Frequentemente, era espancado até não poder mais se suster em pé, sendo então atirado como um saco de batatas ao chão de pedra duma cela; depois de recobrar-se algumas horas, levavam-no de novo e tornavam a bater-lhe. Havia também períodos mais longos de repouso. Lembrava-se vagamente deles, porque os passava dormindo ou numa espécie de estupor. Lembrava-se duma cela como uma cama de tábua, uma espécie de prateleira embutida na parede, uma bacia de folha, e refeições de sopa quente, pão e às vezes café. Lembrava-se de um barbeiro carrancudo que lhe cortou o cabelo e escanhoou o queixo, e homens antipáticos, muito ativos nos seus aventais brancos, a tomar-lhe o pulso, anotar-lhe os reflexos, revirar-lhe as pálpebras, apalpar-lhe o corpo todo à cata de fraturas, e a enterrar-lhe agulhas no braço para fazê-lo dormir.

Os espancamentos diminuíram, e tornaram-se mais uma ameaça, um horror a que poderia ser recambiado a qualquer momento se suas respostas não satisfizessem.





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