1984 - Cap. 20: Capítulo XX Pág. 272 / 309

Via-se-lhe na fisionomia. O'Brien sabia tudo. Mil vezes melhor que Winston, sabia como o mundo era, na realidade, em que degradação vivia a massa dos seres humanos e por meio de que mentiras e barbaridades o Partido os mantinha nesse nível. Compreendia tudo, pesava-o, e não fazia diferença: era tudo justificado pelo intuito derradeiro.

Que podes fazer, pensou Winston, contra o lunático que é mais inteligente que tu, que ouve equânime os teus argumentos e simplesmente persiste na sua loucura?

- Vós nos governais em nosso próprio benefício - disse, com um fio de voz. - Acreditais que os seres humanos não têm capacidade para se governar e por isso...

Deu um estremeção e quase gritou. Uma descarga dolorosa lhe percorrera o corpo. O'Brien levara ao trinta e cinco o ponteiro do aparelho.

- Isso foi cretino, Winston, cretino! Bem sabes que não devias dizer uma coisa dessas. Levou a alavanca à posição neutra e continuou:

- Eu responderei à minha pergunta. O Partido procura o poder por amor ao poder. Não estamos interessados no bem-estar alheio; só estamos interessados no poder. Nem na riqueza, nem no luxo, nem em longa vida de prazeres: apenas no poder, poder puro. O que significa poder puro já compreenderás, daqui a pouco. Somos diferentes de todas as oligarquias do passado, porque sabemos o que estamos fazendo. Todas as outras, até mesmo as que se assemelhavam connosco, eram covardes e hipócritas. Os alemães nazis e os comunistas russos muito se aproximaram de nós nos métodos, mas nunca tiveram a coragem de reconhecer os próprios motivos. Fingiam, talvez até acreditassem, ter tomado o poder sem querer, e por tempo limitado, e que bastava dobrar a esquina para entrar num paraíso onde os seres humanos seriam iguais e livres.





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