1984 - Cap. 5: Capítulo V Pág. 65 / 309

Afinal de contas, talvez não o estivesse seguindo. Talvez fosse coincidência sentar-se perto dele dois dias seguidos. Ele depôs cuidadosamente na beira da mesa o cigarro que se apagara. Haveria de acabar de fumá-lo depois do trabalho, se pudesse evitar que o fumo caísse. Com toda a probabilidade a pessoa da mesa vizinha era espiã da Polícia do Pensamento, e ele provavelmente acabaria nos porões do Ministério do Amor, dali a três dias, mas uma ponta de cigarro não podia ser desperdiçada. Syme dobrara o papel em tira e metera-o no bolso. Parsons pusera-se a falar de novo.

- Já te contei, velho - perguntou, rindo e mordendo o cachimbo - uma vez que os meus dois pirralhos puseram fogo na saia duma velha, na feira, porque a viram embrulhar salsichas num cartaz do G.I.? De mansinho entraram atrás dela e puseram fogo no pano com uma caixa de fósforos. Queimaram-na um pedaço, creio. Safadinhos, hein? Vivos como azougue! Hoje em dia dão um treinamento de primeira nos Espiões -, melhor do que no meu tempo. Que é que achas, que forneceram aos garotos, agora? Estetoscópios para escutar pelas fechaduras! A menina trouxe um para casa a outra noite - experimentou na porta de nossa sala de estar, e calculou que podia ouvir o dobro do que antes, quando colava a orelha na porta. Sim, naturalmente não passa dum brinquedo, mas já vai-lhes dando a ideia, não é?

Nesse momento, a teletela soltou um apito contundente. Era o sinal de volta ao trabalho. Os três homens se levantaram num pincho, para correr aos elevadores, e o fumo restante deslisou do cigarro de Winston.





Os capítulos deste livro