Tudo se fundia na névoa. O passado era raspado, esquecida a raspagem, e a mentira tornava-se verdade. Apenas uma vez na vida possuirá - depois do acontecimento: era o que importava -prova concreta, inegável de uma falsificação. Tivera-a entre os dedos durante uns trinta segundos. Devia ter sido em 1973 - isto é, mais ou menos na ocasião em que se havia separado de Katherine. O acontecimento, porém, tivera lugar sete ou oito anos antes.
Com efeito, a história começara por volta de 1965, o período dos grandes expurgos em que os chefes originais da Revolução tinham sido liquidados duma vez por todas. Aí por 1970 não sobrava ninguém, exceto o Grande Irmão. A essa altura todos os restantes haviam sido acusados de traição e atividades contrarrevolucionárias. Goldstein fugira e escondera-se em lugar não sabido, e dos outros alguns tinham desaparecido, enquanto que a maioria fora justiçada, após espetaculares julgamentos públicos em que confessara amplamente seus crimes. Entre os últimos sobreviventes, contavam-se três homens chamados Jones, Aaronson e Rutherford. O trio devia ter sido preso em 1965. Como acontecia com frequência, tinham sumido durante um ano ou mais, de modo que ninguém sabia se estavam vivos ou mortos; de repente tinham aparecido para se incriminar da maneira habitual. Confessaram entendimentos com o inimigo (que naquela data era a Eurásia), desfalque de dinheiros públicos, assassínios de vários dignos membros do Partido, intrigas contra a liderança do Grande Irmão que se tinham iniciado muito antes da Revolução, e atos de sabotagem causadores da morte de centenas de milhares de inocentes. Depois de confessar, tinham sido perdoados, reestabelecidos no Partido e nomeados para cargos que pareciam importantes mas que não passavam de sinecuras.