Madame Bovary - Cap. 18: X Pág. 191 / 382

Rodolphe reflectiu muito naquela história da pistola. Se ela falara a sério, a coisa era bastante ridícula, pensava, e até odiosa, porque, pela sua parte, não tinha nenhuma razão para odiar o pobre do Charles, não se sentindo propriamente devorado por ciúmes; e, a propósito disto, fizera-lhe Emma um grande juramento, que ele também não achara do melhor gosto.

Além disso, ela tornava-se muito sentimental. Fora necessario trocarem retratos em miniatura, tinham cortado um ao outro madeixas de cabelo e agora pedia ela um anel, uma verdadeira aliança de casamento, em sinal de aliança eterna. Falava-lhe muitas vezes dos sinos da tarde ou das vozes da natureza; depois falava-lhe da sua mãe e da mãe dele. Havia vinte anos que Rodolphe a perdera. Emma, no entanto, consolava-o com afectações de linguagem, como se ele fosse um miúdo abandonado, e até lhe dizia, às vezes, fixando a Lua

- Tenho a certeza de que, lá em cima, juntas, ambas aprovam o nosso amor.

Porém, Emma era tão linda! Bem poucas havia ele possuído com semelhante candura! Aquele amor sem libertinagem era para Rodolphe qualquer coisa de novo que, fazendo-o sair dos seus hábitos fáceis, lhe acariciava ao mesmo tempo o orgulho e a sensualidade. A exaltação de Emma, que o seu bom senso burguês desdenhava, parecia-lhe, no fundo, encantadora, uma vez que era dirigi da à sua pessoa. Então, certo de ser amado, deixou de se constranger e, insensivelmente, foi modificando as suas maneiras.

Já não tinha, como dantes, aquelas palavras tão doces que a faziam chorar, nem aquelas carícias veementes que a faziam endoidecer; de tal maneira que o grande amor existente entre ambos, e em que ela vivia mergulhada, lhe pareceu diminuir aos seus pés, como a água de um rio absorvida pelo seu próprio leito, descobrindo o lodo.





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