Ignoravam, pois, completamente, os dois amantes a presença desta testemunha ou desta sombra que por toda a parte os seguia, e por isso entregavam-se sem o menor receio aos transportes do amor que os abrasava, não se havendo nunca dado entre eles o mais pequeno dissabor, o que contribuía para o recrescimento da afeição e da familiaridade que costuma adquirir-se no decorrer de semelhantes relações.
Uma noite, porém, a fatalidade ou o demónio da tentação veio abrir um novo período a essas afeições.
A noite estava medonhamente tempestuosa.
A chuva, desde o entardecer, caía em grossas torrentes; o vento, forte e destruidor, assobiava sinistramente por entre a ramagem das árvores e na sua carreira impetuosíssima parecia abalar as próprias entranhas da terra; a trovoada estalava no espaço com horrível estrépito, e os relâmpagos incessantes descreviam uns discos luminosos no fundo negro do firmamento.
Era uma dessas cenas sublimes de terror que só se presenciam bem nos lugares distantes das cidades e que impressionam os espíritos mais fortes e intrépidos!
Sem embargo dessa completa revolução dos elementos, Fernando saíra de casa às horas costumadas e encaminhara-se para a habitação de Rosa.
Chegado ali, soltou o sinal aprazado, e, passados momentos, a jovem cuidadosamente embuçada, acercou-se de Fernando, transida de medo pelo aspeto da noite.
- Que imprudência, Fernandinho! - exclamou ela com voz trémula. - Pois atreveu-se a vir com semelhante tempo?!
- Cala-te, minha querida - respondeu o rapaz, beijando-a na face-, quando se ama como eu te amo, não há perigos nem dificuldades que se não vençam.
- Mas, meu Deus! com este tempo é impossível permanecermos aqui.