CAPÍTULO 4 Não sei o que se passou no coração de Fernando durante o resto daquele dia; o que é certo é que, no dia seguinte, logo que acabou de jantar, subiu apressadamente ao seu quarto, substituiu a roupa ligeira que trazia por uma própria de caça, lançou mão de uma bela espingarda de dois canos, que no dia antecedente se entretivera a limpar e preparar, desceu a um quarto onde estava a matilha, chamou dois cães e pôs-se a caminho em direção à igreja.
Fernando ia visivelmente preocupado.
Com a cabeça baixa e os olhos no chão, parecia que um pensamento qualquer lhe dominava todas as faculdades mentais, e, se alguma vez levantava distraidamente a vista, era só para medir a distância que o separava ainda daquela torre que alvejava ao longe entre a folhagem do arvoredo, como se fosse o ponto principal da sua excursão.
Assim caminhou durante alguns minutos, até que, achando-se já próximo da igreja, parou repentinamente, como se uma força oculta lhe detivesse os passos.
É que aos seus ouvidos tinham chegado as harmonias de uma voz fresca e sonora, cujas vibrações ecoavam suavemente na sua alma, a ajuizar por um sorriso alegre que lhe deslizou nas faces.
Fernando deteve-se a escutar, como enlevado, aquela voz, que cantava:
Quem me dera amar um dia,
Se eu tivesse um peito amigo
Ter amor, ter afeição,
Que me desse um tal amor...
Ser escrava, dar a vida
Eu, então, igual afeto
Por um terno coração.
Em seu peito ia depor.
O canto cessou, e Fernando, continuando a sorrir-se, exclamou:
- Vá, sejamos também poeta.
E, começando de novo a caminhar, foi cantando esta resposta àquelas duas quadras:
Se tu queres amor. ó bela.
Não te esquives, não me negues
Dou-te amor, amor bem puro;
Esse amor, almo prazer;
Se tu juras ser só minha,
Dá-me a vida; neste mundo
Será belo o teu futuro.