CAPÍTULO 9 O padre Francisco da Encarnação era um bom e santo homem. Na época em que se passavam os acontecimentos que vamos relacionando, tinha ele cerca de setenta anos. Os cabelos nevados, o rosto sereno e de uma expressão franca e bondosa, e a cabeça já um pouco vergada pelo peso dos anos, tudo lhe dava um aspeto respeitável e insinuante.
Efetivamente era ele a bondade e a beneficência personificadas: não havia pobre nem desvalido por aquelas redondezas que não conhecesse bem de perto os seus benefícios.
Graças aos bens terrenos com que a Providência o dotara, padre Francisco podia exercer com prodigalidade os santos impulsos da sua alma caritativa, porque para tudo lhe davam de sobra os rendimentos dos seus muitos haveres, na sua casa, pois havia diariamente mesa franca para todos os enjeitados da fortuna que ali fossem procurar um pedaço de pão e uma malga de sopa para saciarem a fome; e, pelo dia adiante, nunca pobre algum fora pedir uma esmola que lha não dessem, nem procurar asilo por uma noite, que lhe não fosse ministrado da melhor vontade.
Depois, não eram só os necessitados que recebiam os seus benefícios, e, para o atestar, lá se viam num rótulo colocado num altar novo, na igreja, sob a invocação da Virgem, os seguintes dizeres: - "Feito a expensas do reverendo padre Francisco da Encarnação, insigne benfeitor deste templo".
Finalmente, o relógio da torre, uma lâmpada de prata do altar do Sacramento, o frontal rico do altar-mor, os melhores paramentos, tudo tinha sido dádiva do bondoso sacerdote.
Ora, todos esses benefícios, as virtudes que o adornavam, e, sobretudo o exemplo de uma vida sem fausto, tinham-lhe granjeado quase o epíteto de santo entre o povo da aldeia.
Não tinha ele parente algum na sua companhia e só convivia com os seus numerosos criados num a grande herdade não muito distante da igreja.