O Retrato de Ricardina - Cap. 16: CAPÍTULO XVI - E O SOL NASCIA FORMOSO! Pág. 106 / 178

Abade assim o quis... Agora tomem o meu conselho... Os que fugiram podem cair sobre nós com o povo, e não nos deixam uma orelha, que nós somos já poucos e não temos provimento. Os sinos lá tornam a tocar, rapazes... Pisguem-se!

Conspiraram todos no aplauso da retirada proposta. Ao repontar do dia, chegaram centenares de homens armados. Encararam despavoridos no local onde horas antes tinham visto o palacete dos Monizes. Era um acervo de rumarias, entre as quais os criados procuravam os cadáveres de dois dos seus amos: que do mais velho e do teólogo sabiam eles que uns lavradores os tinham recolhido, dando-lhes enxergas onde se atirassem a chorar.

À mesma hora, Ricardina Pimentel, cedendo ao medo clamoroso dos padres em cuja casa a hospedaram, aceitou o violento alvitre de acolher-se à Reboliça, onde sua irmã e parentes não corriam perigo de serem atacados também pelos incendiários. Os padres aventaram logo que o assalto era vingança do cruel abade e inferiram acertadamente que sorte igual e provocada lhes poderia decretar o rancoroso pai de Ricardina sabendo que eles a tinham asilado e furtado às suas iras. Por sobre isto, já os padres sabiam que de Viseu ia sair tropa em busca dos Monizes, acusados de assassinos dos seus honrados mestres. Não havia piedade que resistisse a tantos impulsos para guarda e salvação das suas pessoas, tendo eles, de fora parte, em conta de desonesta a sua hóspede.

Portanto, compeliram com razões e frases agastadas D. Ricardina a buscar refúgio na proteção de Eugénia. Foi a pobrezinha. Levaram-na. Ia tão areada, tão sem siso e sem consciência da sua desgraça, que não há aí compará-la senão a padecente que se deixa levar sem acordo e já sem sentimento para a estrangulação do patíbulo. De ali em diante, a demência ou a morte; se lhe não estivesse reservado o máximo suplício: a vida com a razão.





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