A casa da Reboliça distava do incêndio três quartos de légua. Ao entreluzir da manhã, Eugénia, marido e cunhados ainda contemplavam os rolos denegridos de fumo, relampadejando a espaços uns vasquejos arroxados. Da velha torre solarenga, onde tinham subido, viam os diferentes caminhos convergentes ao espaçoso terreiro da casa, e num deles enxergaram dois vultos a cavalo.
- Vem gente acolá... - disse Eugénia.
- É verdade - confirmou o marido. - Lá vem uma mulher... não te parece?
- Tem jeito disso.
- É provavelmente o filho do Silvestre e mais a mulher, que vêm fugindo. Vou ao portão.
- Vou contigo - disse Eugénia.
Quando abriram a porta, já Ricardina descia das andilhas amparada nos braços do padre que a acompanhava.
- Ah! - exclamou a esposa de Luís Pimentel, reconhecendo a irmã. - És tu, Ricardina? Donde vens! Como estás aqui, desgraçadinha!?
A interrogada não respondeu nem se lançou nos braços da irmã, que parecia obedecer ao amoroso impulso de abraçá-la. Manteve-se imóvel, com os braços caídos, e os olhos no chão a borbulharem lágrimas. A palavra desgraçadinha, proferida pela sua irmã, soou-lhe como insulto contrafeito em piedade.
- Ricardina! - disse Eugénia, tomando-lhe as mãos frigidíssimas. - Não me respondes? Donde vens?
O padre entremeteu as suas explicações:
- Esta senhora - disse ele em conclusão de comprido aranzel - na minha casa não estava segura, se o pai soubesse que lá parava. Vossas Senhorias bem sabem - prosseguiu voltado para Luís e para o velho irmão de Clementina - que o Sr. Abade de Espinho não é homem de meias medidas, e melhor é ter por inimigo o Diabo e não ele. Era capaz de mandar-me arrasar a casa, à conta de eu recolher esta senhora... Enfim, acompanhei-a até aqui. Não pode estar em melhor casa e em melhor companhia.