O Retrato de Ricardina - Cap. 20: CAPÍTULO XX - OBRAS DO TEMPO Pág. 128 / 178

- Não há em Portugal parentes seus ou do meu pai? - perguntava Alexandre.

- Nenhuns. Morreram todos, meu filho.

Um dia, entraram para o gabinete de estudo de Alexandre dois condiscípulos. Ricardina costurava na sala imediata, e ouviu falar de Viseu. Levantou-se e foi de mansinho escutar. Falavam de namoros e conquistas inocentes, conquistas de cartas, de ramalhetes do último baile, de trancelins de cabelo. Um dos dois visitantes, que figurava 17 anos, contava entre guinadas de riso desdenhoso a sua desventura, com uma Matilde, filha do morgado da Reboliça.

- Se vocês vissem o cavaco que ela me deu no baile do António de Albuquerque! - referia ele. - Hei de mostrar-te, Alexandre, uma luva que ela me deixou apanhar no pátio. Oh! que beijos eu dei na luva! Trouxe-a sobre o coração um mês, e todas as manhãs beijava a ditosa pele de carneiro que roçara o cetim daquela mão que afinal... me espremeu a alma até fazer espumar o suco da última crença.

- Mas que te fez ela afinal? - perguntou Alexandre.

- Que me fez? Pergunta aqui ao Osório o que ela me fez.

- Casou com um visconde - disse Osório - , mas foi constrangida. Obrigou-a o pai, porque este casamento estava pactuado há cinco anos. A rapariga não queria, a mãe era pela filha, guerreavam-se em casa as duas potências, até que o pai venceu, levando a filha a sopapos para os braços do visconde, que tem 50 anos e muito dinheiro. A pobre menina não tem culpa. Que querias tu que ela fizesse? Que fugisse de casa para ti? Fosses lá ver como o pai a tinha a sete chaves no quarto da torre. Disse ele ao meu tio que lá naquela casa havia fado mau para as mulheres, e contou histórias antigas que davam romances.

D. Ricardina arquejava com o ouvido aposto ao espelho da fechadura.





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