O Retrato de Ricardina - Cap. 4: CAPÍTULO IV - BERNARDO MONIZ Pág. 22 / 178

da natureza! Entendam lá isto de um selvagem não produzir outro! Um burro produz sempre um burro, ou um macho, conforme; um alarve não gera sempre outro alarve!

Os talentos do padre Leonardo Botelho de Queirós ainda abicavam teses zoológicas deste volume!

Foi Bernardo à residência abacial receber para Coimbra as ordens da sua senhoria. Viu Ricardina. Ousou remirá-la com transportes de artista. Partiu. Começou a retocar as feições da sua inspiradora. Súbito, remessa a palheta, e diz de si consigo:

- Não! Ela era assim, quando eu era pastor. Como não posso nem devo esperar nada, tenho só do meu o passado.

Nos feriados dos seguintes anos, até 1826, o estudante viu Ricardina. Em 1824 ainda a viu florejando graças de criança; um ano adiante, espantou-se da rápida passagem às formas divinas e sisudo porte de senhora. Tinha ela 14 e ele 18 anos. Naquele ano de 1826, o fidalgo da Reboliça, irmão de Clementina, sondou-lhe o ânimo, quanto a intentos matrimoniais. Como o rapaz não formulou programa de celibato, mandou-lhe oferecer, com rodeios de hábil mensageiro, sua filha mais nova.

Bernardo agradeceu a honra e furtou-se a responder enquanto se não formasse. Como nasceu o amor de Ricardina ao antigo ovelheiro, que lhe lucilava ainda nas memórias da infância? A pergunta é, sobre ociosa, estólida. Como nasce o amor? Apenas sabemos como ele morre. Quando o terceiranista de Direito, nas férias de 1826, lhe impendeu dos festões do rosal a primeira carta, Ricardina já lha tinha lido no coração e já lhe havia respondido num volver de olhos. Valente eloquência a dos olhos aprendida na retórica com que as almas saem industriadas no seio da NATUREZA, que eu escrevo com respeitosos versaletes, por se me figurar que ELA e DEUS tudo é um.





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