O Retrato de Ricardina - Cap. 8: CAPÍTULO VIII - O BEM-FAZER DA MORTE Pág. 47 / 178

Tenho mais medo que amizade ao meu pai. Quando me lembro o que a minha mãe padeceu, dá-me vontade de chorar!

- Está decidido - fechou Luís Pimentel.

E, buscando animosamente o sogro, disse-lhe:

- Tio Queirós (desde o descobrimento da duodécima avó, chamava-lhe tio), visto que não despede os criados, permita-me dizer-lhe que mudamos de casa. A nossa, na Reboliça, está sempre às ordens de vossa Senhoria.

- Obrigado. Façam o que quiserem. Viverei sozinho. Tenho sobrinhos em Amarante; mandá-los-ei chamar para aqui. Ainda posso dotar guapamente dois.

- Um Pimentel não se assusta com tais ameaças, tio Queirós... - redarguiu o genro.

- Então um Pimentel que é?

- É um homem brioso que não vende a sua dignidade por trinta ou cem mil cruzados.

- Ora, adeus! Um Pimentel... sabe o senhor o que é um Pimentel? Quer que eu lho diga?

- Ouvirei.

- Um Pimentel... é um asno. Acredite isto que lho digo eu... Em suma, faça o que quiser e mais a sua esposa.

- Felizmente - retorquiu Luís - que o amor da minha mulher quebra as pontas desses dardos que vossa senhoria despede contra o marido dela. Eu não sou tão asno que o não conheça ao senhor.

- Está bom; não me turve o juízo... vá com Deus, Sr. Luís, e deixe-me... Vá, e pergunte ao seu pai quem eu sou.

Alusão pungentíssima, se o broquel da filosofia a não rebatesse. Na mesma hora, aparelharam-se os cavalos. Eugénia saiu, sem despedir-se do pai. Era medo ou ódio? Ambas as coisas talvez, porque o marido lhe reproduzira o diálogo e a petulante injúria do sogro. Por maneira que está sozinho o padre Leonardo! Tem que ver o esforço com que ele quer esmagar na alma o pesar de ver-se desprendido de todos os afetos que alguma hora lhe foram caros. Os relâmpagos da saudade queimam-no.





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