Com isto, a consciência dos Pimenteis, no artigo pundonor, desobstruiu-se de travancos impertinentes. Quase que dispensavam a filosofia!
Correram as coisas mirificamente e a bel-prazer de sogro e genro até fins de Novembro. Um dia, porém, Luís Pimentel estomagou-se contra Frazão e Torto, criados de predileção do abade, à conta de eles acobertarem os machos do sogro com os xairéis dos seus cavalos. Os eguariços abespinharam-se fiados no arrimo do patrão. Luís remeteu contra eles armado de estadulho; os agredidos, porém, defenderam-se com idêntica arma, buscando ocasião de o esquadrilhar com alguma lombada. Aquietou a desordem Norberto, que era temido dos seus companheiros. Pimentel queixou-se ao abade, exigindo que os petulantes fossem despedidos. Quis o padre amaciar o genro, obrigando os seus fiéis criados a darem-lhe satisfação. Luís desprezou tal desforço, como indigno de si, e sobresteve na exigência da saída dos criados. Contraveio o padre amontoando razões que lhe atavam os pulsos, fundadas todas em gratidão aos bons serviços de vinte anos. Redarguiu o genro que, em tal caso, sairia ele com a sua mulher. O abade encolheu os ombros e esbugalhou os olhos, como quem diz: “faça o que quiser”. Consultou Luís a esposa:
- Vamos daqui embora, Eugénia?
- Morta por isso estou eu - acudiu a senhora, que idolatrava seu marido.
- O pior é...
- O quê?.
- O dinheiro...
- A quem há de ele deixá-lo? A mana Ricardina vai ser freira. Quem pode herdar senão nós?
- Dizes bem.
- Vamos - insistiu ela - , que esta canalha dos criados é insuportável. O pai é tão fidalgo numas coisas e tão plebeu em outras!... Não o entendo.
- E se ele nos for procurar, terás saudades?
- Eu!... Ora!... O que eu quero é ter-te ao pé de mim, filho.