O Retrato de Ricardina - Cap. 9: CAPÍTULO IX - ATÉ QUE ENFIM! Pág. 56 / 178

O teu primo Gaspar é a bondade em pessoa, e jura-me que nunca hás de arrepender-te de ser sua esposa”, etc.

A fuga estava delineada. Encarregara-se a freira do traçado por ter recolhido as tradições de deserções, mais ou menos antigas, daquele colmeal de virgens cansadas de fabricar mel para os anjos. De Ricardina todas as religiosas formavam conceito sem laivo de desconfiança. Deixavam-na as superioras deter-se na cerca até noite, suavizando-lhe as asperezas claustrais, já pelo afeto que lhe tinham, já por devoção com a memória da mãe, e não menos pelo empenho de verem o seu hábito franciscano vestido em menina tão luzidamente aparentada.

A cerca tinha uma porta da serventia do hortelão e outra dos carros. A evasiva era fácil por ali, à hora em que o pomareiro, ocupado no seu lavor, deixava descuidadosamente a chave na porta do seu uso. Prevenido do dia e hora, Bernardo Moniz transferiu-se de noite, de S. Sebastião de Arneirós para Lamego, onde o condiscípulo preparara a resguardada hospedagem. Grande parte da manhã do dia aprazado, passou-a Ricardina ajoelhada na claustra à beira da campa da mãe. Lá se ajoelharam de par com ela as mais reformadas franciscanas, aguardando entreaberta de a consolarem. Assistiu ao refeitório sem tocar na sua ração; ouviu ler as piedosas admoestações no púlpito, concernentes às delícias da virgindade e da magnificência com que o divino esposo esperava no paraíso celestial as suas esposas.

Às quatro horas abraçou a sua amiga, cujas lágrimas borbulhavam dignas da saudade da outra. O frio era glacial; mas Ricardina, com o rosto e o coração em fogo, se tiritava, era de medo. Anoiteceu. A demora da noviça impressionou a prelada, unicamente receosa de algum acidente. Mandou as criadas acerca, a tempo que o hortelão vinha perguntando se faltava alguém, porque encontrara, ao sair, a porta aberta.





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