Estrondeou grande e confusa grita no mosteiro. Espreitaram-se os recantos todos da cerca. O espanto não dava lugar a nenhum outro sentimento. Ia-se já virando do avesso o bom nome da noviça no espírito da comunidade. Até certo ponto era natural a mudança. As freiras ecléticas, quer dizer, as que tinham um poucachinho de crítica e filosofia para entenderem que o bem e o mal estão ouro fio na condição humana, diziam que Ricardina era filha do abade de Espinho, e herdara o pecado da mãe, esperando talvez a idade própria de lhe herdar a contrição. As místicas propendiam a crer que andava influência demoníaca naquele sucesso, bem como em outros mais feios de que a memória lhes não era esquiva.
Como quer que fosse, a indignação monástica recresceu, e logo naquela mesma noite se enviou aviso ao prelado, ao corregedor e ao juiz de fora. Todos os avisados dormiram a trancos, até que no dia seguinte se começaram a mexer as justiças seculares e eclesiásticas, mandando devassar no convento e vizinhança. A devassa tirou a limpo que, por volta de onze horas da noite, um barco atracado em frente da Régua recebera duas pessoas e derivara rio abaixo, a quatro remos. O corregedor avisou os parentes da noviça, e estes fizeram um próprio ao abade, como a pessoa idónea para rastrear a peugada dos fugitivos.
Quando o próprio chegou a Espinho, estavam Bernardo e Ricardina em Vila Nova de Gaia, esperando transporte - o rápido transporte da caleça - para Coimbra. Ao fim do segundo dia de viagem, apeavam nos Fornos, e entravam cavalgando jumentos, por veredas mal trilhadas entre matas de pinheiros, caminhando a sul, para onde os guiava o académico irmão da religiosa, desde que apearam da caleça. Ricardina entrou na casa triste à margem do Mondego. Bernardo ajoelhou-se aos pés dela, que se assentara quebrantada num canapé.