O Retrato de Ricardina - Cap. 11: CAPÍTULO XI - MEMÓRIAS DOLOROSAS Pág. 68 / 178

Assim discorrendo, passaram juntos o dia. Ao jantar, brindaram à liberdade, transportados pela eloquência espartíaca de coiceiro. O teólogo saíra da mesa com qualquer disfarce, porque as lágrimas o tornavam indigno daquele repasto de homicidas, laureados à grega e romana. Ao entardecer, entraram, um a um, os outros seis dos nove sorteados para a imolação das suas vítimas.

Eram o barcelense Delfino António de Miranda e Matos, chegado momentos antes de Barcelos , Urbano de Figueiredo, o algarviense Francisco do Amor, o irrequieto filho do Porto, António Correia Megre, Domingos Barata Delgado, Manuel Inocêncio de Araújo Mansilha, de Vila Real, António Maria das Neves Carneiro, do Alentejo. Faltavam dois, cujos nomes a tradição conserva, e o melindre pede que não se escrevam.

Tocaram-se de novo os copos impulsados pela veemência de que já todos se tinham conflagrado, sem exceção de Bernardo Moniz, que se distinguiu a beber. Queria esquecer-se; queria passar da temulência ao crime, turvejando o coração para que a imagem de Ricardina Pimentel não transparecesse nele. Noite alta, saíram separados e circularam pelas alfurjas lamacentas dos “Paços Confusos”, onde negrejava o casarão quase subtérreo das suas assembleias.

Os treze “divódis” sorteados juraram cumprir as deliberações da Junta. Voz contrária ao acordo feito não se levantou nenhuma. Planearam o assalto e as medidas de segurança na retirada. Treze homens eram de sobra para matar dois; urgia, porém, amarrar os caleceiros e criados, incutindo com a sobra força terror aos outros deputados, menos odiosos e por isso isentos da pena última.

À uma hora da manhã debandaram os conjurados. Quando Bernardo chegou a casa, já Francisco Moniz tinha voltado do retiro de Ricardina.





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