O Retrato de Ricardina - Cap. 15: CAPÍTULO XV - COMO O SENTIMENTO DA GRATIDÃO FEZ UM TIGRE Pág. 96 / 178

saltando de várzea em várzea, descalço, e lavado em suor da rápida corrida, foi dizer à mãe que avisasse o doutor de que a sua casa era assaltada à meia-noite por dez homens; mas que juntamente com os dez ia ele.

- E não lhe diga mais nada, senão que eu vou também - rematou o Calvo.

Bem informado tinha dito o abade que os Monizes possuíam poucas armas e poucos homens de defesa. Ainda assim eram sete. O teólogo opinou que fugissem imediatamente todos. Contestou Francisco, arrazoando que não havia tempo de carregar baús, nem, se partissem, evitariam que os salteadores alojados na abadia, picando-lhes a retaguarda, se não senhoreassem da bagagem, cuja defesa era impossível por homens mal armados, contra dez facínoras de ofício.

O que a todos afligia era a presença de Ricardina. Bernardo meditava em transferi-la para casa segura na vizinhança. Perto de ali demorava uma família de lavradores e padres, aparentados com os Monizes. O alvoroço de todos não dava largas a discussões. Ricardina, pálida de terror, aceitava tudo contanto que Bernardo se não separasse dela. O teólogo reduziu-a a dispensar-se da companhia do seu irmão, visto que a falta dele perigava muito a defesa da casa. Convieram em sacrificar à necessidade as lágrimas da senhora. Abraçaram-se os dois soluçando ansiadamente.

Saiu o teólogo a levar Ricardina e o velho a casa dos padres, cuja amizade e parentesco, sendo capaz de muitas provas, vacilou em tomar conta da filha do sanguinário abade, cuja notória fereza os atemorizava, e nem eles simpatizavam grandemente com o procedimento da fugitiva noviça. Sem embargo da repugnância, deram agasalho ao velho e a Ricardina, recomendando-lhes de antemão o maior segredo, por medo que tinham da cólera do abade.

Quatro irmãos e três criados eram os preparados defensores.





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