Madame Bovary - Cap. 2: II Pág. 17 / 382

A rapariga voltou-se.

- Procura alguma coisa? - perguntou ela.

- O meu pingalim, por favor - respondeu ele.

E pôs-se a rebuscar em cima da cama, atrás das portas, debaixo das cadeiras; tinha caído no chão, entre os sacos e a parede. A Menina Emma descobriu-o; curvou-se por cima dos sacos de trigo. Charles, por galantaria, correu e, estendendo também o braço no mesmo movimento, sentiu o peito roçar nas costas da rapariga, curvada debaixo dele. Ela endireitou-se muito corada e olhou-o por cima do ombro, entregando-lhe o chicote.

Em vez de voltar aos Bertaux três dias depois, como prometera, fê-lo logo no dia seguinte e depois duas vezes por semana, regularmente, sem contar as visitas inesperadas que fazia de vez em quando, como que por engano.

Aliás, tudo se passou bem; a cura processou-se segundo as regras e, quando, ao fim de quarenta e seis dias, se viu o Tio Rouault a tentar os primeiros passos sozinho pelo seu casebre, logo se começou a considerar o Dr. Bovary como um homem de grande competência. Rouault dizia que não teria sido mais bem tratado pelos melhores médicos de Yvetot ou até de Ruão.

Quanto a Charles, não tentou perguntar a si mesmo a razão por que vinha aos Bertaux com tanto prazer. Se o tivesse feito, teria certamente atribuído o seu zelo à gravidade do caso, ou talvez ao lucro que esperava tirar dele. Seria, no entanto, por isso que as suas visitas à fazenda constituíam, entre as áridas ocupações da sua vida, uma encantadora excepção? Nesses dias levantava-se cedo, partia a galope, fustigando a montada, depois apeava-se para limpar os pés na relva e enfiava as luvas pretas antes de entrar. Gostava de se achar no pátio, de sentir a cancela que empurrava com o ombro e de ouvir o galo que cantava em cima do muro e os garotos que vinham ao seu encontro.





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