Madame Bovary - Cap. 21: XIII Pág. 228 / 382

Mas, quanto mais fixava nela a atenção, mais as ideias se lhe confundiam. Continuava a vê-lo, a ouvi-lo, a estreitá-lo nos braços; no peito, as pulsações do coração causavam-lhe a sensação de fortes pancadas de ariete, acelerando-se umas após outras, com intermitências desiguais. Lançava o olhar em redor, sentindo o desejo de que o mundo se desmoronasse. Porque não acabar com tudo? Quem a impediria? Era livre. E avançou, olhou para a calçada e disse para consigo:

«Vamos! Vamos!»

O raio luminoso que vinha directamente de baixo, atraía-lhe para o abismo o peso do corpo. Parecia-lhe que o solo da praça oscilava, elevando-se ao longo das paredes, e que o sobrado se inclinava para a extremidade, como um navio sobre as ondas. Emma segurava-se mesmo à borda, quase suspensa, rodeada por um grande espaço. O azul do céu invadia-a, o ar circulava-lhe na cabeça vazia; bastava-lhe ceder, deixar-se levar; e o ronco do torno não parava, como uma voz furiosa que a estivesse chamando.

- O mulher!, mulher! - gritou Charles. Emma deteve-se.

- Mas onde é que estás? Vem daí!

A consciência de ter acabado de escapar à morte quase a fez desmaiar de terror; fechou os olhos; depois estremeceu ao contacto duma mão que lhe tocava no braço: era Félicité.

- O senhor está à espera; a sopa já está nos pratos.

E teve de descer! Não teve outro remédio se não sentar-se à mesa! Experimentou comer. Os pedaços de comida sufocavam-na. Então desdobrou o guardanapo, como que para examinar as passagens que tinha. e procurou mesmo entregar-se a esse trabalho, contar os fios de tecido Subitamente voltou a lembrar-se da carta. Tinha-a então perdido? Onde poderia encontrá-la? Mas sentia-se tão esgotada que não conseguiu inventar nenhum pretexto para se levantar da mesa.





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