Madame Bovary - Cap. 24: TERCEIRA PARTE – I Pág. 260 / 382

.. É verdade! É verdade...

Ouviram bater as oito horas nos diferentes relógios do bairro Beauvoisine, onde abundam colégios, igrejas e grandes palácios abandonados. Tinham deixado de falar; mas, olhando um para o outro, ouviam uma espécie de zumbido na cabeça, como se qualquer coisa sonora emanasse reciprocamente das pupilas fixas. Tinham acabado de entrelaçar as mãos; o passado, o futuro, as reminiscências e os sonhos, tudo se achava confundido na doçura daquele êxtase. A noite adensava-se sobre as paredes, onde ainda brilhavam, meio perdidas na sombra, as cores fortes de quatro estampas que representavam cenas de A Torre de Neste, com legendas por baixo, em espanhol e em francês. Pela janela corrediça via-se uma porção de céu escuro entre telhados pontiagudos.

Ela levantou-se para acender duas velas sobre a cómoda e depois voltou a sentar-se.

- Pois bem... - disse Léon.

- Pois bem? - retorquiu ela.

E ele procurava maneira de reatar o diálogo interrompido, quando ela lhe disse:

- Porque será que, até hoje, ainda ninguém me tinha declarado sentimentos semelhantes?

O escriturário argumentou que as naturezas ideais eram difíceis de compreender. Ele, desde a primeira vista, sentira amor por ela; e desesperava-se a pensar na felicidade que poderiam ter tido se, por mercê do acaso, se houvessem encontrado mais cedo e se tivessem um ao outro de maneira indissolúvel.

- Várias vezes pensei nisso - respondeu ela.

- Que sonho! - murmurou Léon.

E, tocando-lhe delicadamente na orla azul do cinto branco, acrescentou: - E quem nos impede de recomeçar?..

- Não, meu bom amigo - respondeu ela. - já estou muito velha..., você é jovem de mais..., esqueça-se de mim! Outras o amarão... e ama-las-á também.





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