Madame Bovary - Cap. 28: V Pág. 293 / 382

Diziam o nosso quarto, o nosso tapete, as nossa poltronas; ela dizia também as minhas chinelas, um presente de Léon, uma fantasia que ela tivera. Eram chinelas de cetim cor-de-rosa, bordadas Quando se sentava sobre os joelhos dele, as pernas, bastante mais curtas, ficavam-lhe suspensas; e as minúsculas chinelas seguravam-se apenas pelos dedos dos pezinhos nus.

Léon saboreava pela primeira vez a inexprimível delicadeza das elegâncias feminina. Nunca encontrara aquela graça de linguagem, aquela reserva de vestuário, aquelas atitudes de pomba adormecida. Admirava-lhe a exaltação da alma e as rendas do vestido. Além disso, não era uma mulher da sociedade, e uma mulher casada, enfim, uma verdadeira amante?

Pelas oscilações do humor, ora mística ora alegre, tagarela, taciturna, arrebatada, indolente, ia despertando nele mil desejos, evocando instintos ou reminiscências. Era a apaixonada de todos os romances, a heroína de todos os dramas, a vaga ela de todos os livros de poesias. Achava-lhe n ombros a cor ambarina da odalisca no banho, tinha o busto alto das castelãs feudais; parecia-se também com a mulher pálida de Barcelona, mas era sobretudo, Anjo!

Muitas vezes, contemplando-a, parecia-lhe que a alma, escapando- lhe para ela, se espraiava como uma onda sobre o contorno da sua cabeça e descia arrastada pela alvura do seu peito.

Sentava-se no chão, diante de Emma; e, com os cotovelos apoiados n joelhos, fitava-a com um sorriso, sem despegar os olhos dela.

Esta inclinava-se para ele e murmurava, como que sufocada de embriaguez:

- Oh! Não te mexas! Não digas nada! Olha para mim! Sai dos teus olhos qualquer coisa tão doce, que me faz tanto bem!

Chamava-lhe menino:

- Meu menino, amas-me?

E nem lhe esperava a resposta, na precipitação com que os seus lábios lhe procuravam a boca.





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