Madame Bovary - Cap. 28: V Pág. 298 / 382

- Sim, é verdade - dizia ela -, sou maluca; dá-me um beijo!

Para o marido mostrava-se agora mais encantadora que nunca, preparava-lhe cremes com pistacho e tocava valsas depois do jantar. Ele sentia - portanto o homem mais feliz do mundo e Emma vivia sem preocupações quando, numa certa noite, inesperadamente, ele perguntou:

- Não é a Sr." Lampereur que te dá as lições?

-É.

- Calha bem - replicou Charles -, estive com ela esta tarde, em casa da Sr." Liégeard. Falei-lhe de ti; não te conhece.

Foi como se tivesse caído um raio. No entanto, Emma respondeu cor um ar natural:

- Oh! Terá, com certeza, esquecido o meu nome!

- Mas - continuou o médico - quem sabe se não haverá várias senhoras Lempereur que dêem lições de piano?

- Quem sabe? Depois, vivamente:

- Tenho até os recibos dela, olha! Vou-tos mostrar.

Foi à secretária, revolveu todas as gavetas, misturou os papéis e acabou por ficar tão desorientada que Charles instou com ela para não se afligir tanto com os miseráveis recibos.

- Oh! Hei-de achá-los - disse ela.

Com efeito, logo na sexta-feira seguinte, Charles, calçando uma bota no quarto escuro onde lhe guardavam os fatos, sentiu uma folha de papel entre a sola e a meia, agarrou-a e leu:

- «Recebi, por três meses de lições, mais diversos fornecimentos, a soma de sessenta e cinco francos. Félicité Lempereur, professora de Música.»

- Como diabo veio isto parar dentro das minhas botas?

- Naturalmente - respondeu ela - caiu da pasta velha de facturas que está na borda da prateleira.

A partir daquele momento, a sua vida não foi mais que uma colecção de mentiras, em que envolvia o seu amor como que em véus, para o esconder.

Era uma necessidade, uma mania, um prazer, de tal maneira que, se ela dissesse que passara no dia anterior pelo lado direito de uma rua, tinha de se entender que passara pelo lado esquerdo.





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