Madame Bovary - Cap. 28: V Pág. 302 / 382

Se ela não lhe falara naquela letra, fora para o poupar a preocupações domésticas; ela sentou-se-lhe sobre os joelhos, acariciou-o, elogiou-o e fez-lhe uma longa enumeração de todas as coisas indispensáveis compradas a crédito.

- Enfim, tens de concordar que, considerando a qualidade, não foi muito caro.

Charles, esgotado de ideias, logo recorreu ao eterno Lheureux, que jurou arranjar as coisas se o doutor lhe assinasse duas letras, sendo uma de setecentos francos, pagável dali a três meses. Para satisfazer a proposta, escreveu à mãe uma carta patética. Em vez de mandar a resposta, veio ela mesmo em pessoa; e, quando Emma quis saber se o marido conseguira alguma coisa, respondeu:

- Sim, mas ela quer ver a factura.

No dia seguinte, ao romper do dia, Emma correu a casa do Sr. Lheureux para lhe pedir que fizesse outra factura que não fosse além de mil francos; porque, para mostrar aquela dos quatro mil, teria de dizer que pagara já dois terços e, consequentemente, confessar a venda do prédio, negócio conduzido pelo mercador e que efectivamente só mais tarde veio a ser conhecido.

Apesar do preço bastante baixo de cada artigo, a viúva Bovary não deixou de achar a despesa exagerada.

- Não podiam passar sem um tapete? E porque é que foi necessário substituir o tecido das poltronas? No meu tempo, em cada casa só havia uma poltrona, para as pessoas idosas, pelo menos era assim em casa da minha mãe, que era senhora de respeito, essa vos garanto. Nem todos podem ser ricos! Nenhuma fortuna resiste ao esbanjamento! Eu tinha vergonha de me rodear de todas as comodidades como vocês fazem! E, no entanto, já sou uma pessoa de idade, preciso de conforto... Aqui está, aqui está! Enfeites, ostentações! Que é isto? Seda para forros, a dois francos!.





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