Então, ela olhou para o maço de notas e, pensando no ilimitado número de encontros que aqueles dois mil francos representavam, balbuciou:
- Como? Como?
- Oh! - prosseguiu ele, rindo com um ar bonacheirão -, nas facturas pode-se pôr tudo o que se quiser. Então eu não sei como se faz noutras casas?
E olhava-a fixamente, segurando na mão dois grandes papéis que fazia deslizar entre os dedos. Por fim, abrindo a carteira, estendeu em cima da mesa quatro letras à ordem, de mil francos cada uma.
- Assine-me isto - disse ele - e guarde tudo.
Ela protestou escandalizada.
- Mas se eu lhe dou a diferença - respondeu descaradamente Lheureux -, não lhe estou a fazer um favor?
E, pegando numa pena, escreveu por baixo da conta: «Recebi da Sr. Bovary quatro mil francos.»
- Porque é que se inquieta, uma vez que recebe o resto da barraca daqui a seis meses e eu marquei o prazo da última letra para depois do pagamento?
Emma atrapalhava-se um pouco com os seus cálculos e os ouvidos zuniam-lhe como se uma quantidade de moedas de ouro, rompendo os sacos caíssem a tilintar no chão em redor dela. Finalmente, Lheureux explicou que tinha um amigo chamado Vinçart, banqueiro em Ruão, que lhe ia descontar as quatro letras. Depois, ele próprio entregaria à senhora a diferença da dívida real.
Mas, em lugar de dois mil francos, trouxe-lhe apenas mil e oitocentos, porque o amigo Vinçart (como era justo) havia ficado com duzentos, para despesas de comissão e desconto.
Depois pediu-lhe um recibo, com toda a naturalidade.
- Compreende..., no comércio..., às vezes... E com a data, se faz favor, ponha a data.
Abriu-se então diante de Emma um horizonte de fantasias realizáveis.
Teve prudência suficiente para pôr de reserva mil escudos, as três primeiras letras; mas a quarta, por acaso, apareceu-lhe em casa numa quinta-feira, e Charles, atrapalhado, esperou pacientemente o regresso da mulher para lhe pedir explicações.