Madame Bovary - Cap. 29: VI Pág. 311 / 382

Não se deve mexer nos ídolos: o dourado fica-nos agarrado às mãos.

Começaram a falar mais frequentemente de coisas indiferentes ao amor mútuo; e, nas cartas que Emma lhe mandava, o assunto eram flores, versos, a Lua e as estrelas, ingénuos recursos duma paixão enfraquecida, procurando reavivar-se por meio de todos os recursos exteriores. Ela prometia a si mesma, constantemente, uma profunda felicidade para a próxima viagem; depois verificava que não sentia nada de extraordinário. Essa decepção apagava-se rapidamente com uma nova esperança, e Emma voltava para ele mais inflamada, mais ávida. Despia-se bruscamente, arrancando o fino cordão do espartilho, que lhe sibilava em volta dos quadris como uma cobra rastejando. Ia mais uma vez descalça, nas pontas dos pés, verificar se a porta estava trancada, depois, com um só gesto, fazia cair todo o vestuário; e, pálida, muda, séria, atirava-se sobre o peito dele, com um longo estremecimento.

Entretanto, havia naquele rosto coberto de gotas frias, naqueles lábios balbuciantes, naquelas pupilas desvairadas, no amplexo daqueles braços, qualquer coisa de excessivo, de vago e de lúgubre, que a Léon parecia meter-se entre ambos, subtilmente, como que para os separar.

Não ousava fazer-lhe perguntas; mas, verificando ser ela tão experiente, pensava ele, devia ter passado por todas as provas do sofrimento e do prazer. O que antes o encantava assustava-o agora um pouco. Além disso, revoltava-se contra a absorção, cada vez maior, da sua personalidade. Não perdoava a Emma aquele triunfo permanente. Até se esforçava por não lhe querer bem; depois, mal lhe ouvia o ranger das botinas, perdia as forças, como os bêbados à vista de bebidas fortes.

É verdade que ela não deixava de lhe prodigalizar toda a espécie de atenções, desde os mimos da mesa até aos requintes da roupa e à languidez do olhar.





Os capítulos deste livro