Madame Bovary - Cap. 29: VI Pág. 318 / 382

Para não passar a noite com aquele homem estendido a dormir junto dela, acabou, à força de astúcia, por relegá-lo para o segundo andar; e lia até de manhã livros extravagantes, em que havia quadros orgíacos com cenas sanguinolentas. Às vezes enchia-se de terror, dava um grito e Charles acudia.

- Ah! Vai-te embora - dizia-lhe ela.

Ou então, noutras ocasiões, mais abrasada com aquela chama íntima que o adultério avivava, ofegante, inebriada, ardendo em desejos, abria a janela, aspirava o ar puro, soltava ao vento a farta cabeleira e, fixando as estrelas, ansiava por amores de príncipe. Pensava nele, Léon. Nesses momentos daria tudo por um só daqueles encontros que a saciavam.

Eram os seus dias de gala. Ela queria-os esplêndidos! E, quando ele não podia pagar sozinho a despesa, completava ela liberalmente a importância, o que acontecia mais ou menos todas as vezes. Ele procurou fazer-lhe compreender que estariam tão bem noutro sítio, em qualquer hotel mais modesto; ela, porém, encontrou objecções.

Um dia tirou da sua bolsa seis colherinhas de prata dourada (fora o presente de núpcias do Tio Rouault), pedindo-lhe que fosse imediatamente levar aquilo, no nome dela, à casa de penhores; e Léon obedeceu, ainda que a missão lhe desagradasse. Tinha receio de se comprometer.

Depois, reflectindo no caso, achou que a amante estava assumindo atitudes estranhas e que talvez tivessem razão em querer afastá-lo dela.

Efectivamente, alguém enviara à mãe dele uma longa carta anónima, avisando-a de que o filho se estava perdendo com uma mulher casada; e logo a boa senhora, entrevendo o eterno espantalho das famílias, isto é, a vaga criatura perniciosa, a sereia, o monstro, que habita fantasticamente nas profundezas do amor, escreveu ao Dr.





Os capítulos deste livro