Madame Bovary - Cap. 29: VI Pág. 321 / 382

Os homens cochicharam a um canto, consultando-se sem dúvida sobre a despesa. Havia um escriturário, dois estudantes de Medicina e um caixeiro; que sociedade para ela! Quanto às mulheres, Emma rapidamente se apercebeu, pelo timbre das vozes, de que deviam ser, quase todas, da última espécie. Sentiu então medo, recuou a cadeira e baixou os olhos.

Os outros puseram-se a comer. Ela não comeu; sentia a testa em brasa, picadas nas pálpebras e um frio de gelo na pele. Sentia ainda na cabeça a pista do baile, estremecendo sob a pulsação rítmica dos milhares de pés a dançar. Depois, o cheiro do ponche, misturado com o fumo dos charutos, atordoou-a. Desmaiou; levaram-na para a janela.

O dia começava a clarear e uma grande mancha cor de púrpura ia-se alargando no céu pálido, do lado de Sainte-Catherine. O lívido rio encrespava-se com o vento; não havia ninguém em cima das pontes; os lampiões apagavam-se.

Emma, entretanto, reanimou-se e começou a pensar em Berthe, que lá estaria a dormir no quarto da criada. Mas passou uma carroça carregada de arcos de ferro, atirando às paredes das casas uma vibração metálica ensurdecedora.

Esquivou-se então subitamente, desembaraçou-se do traje, disse a Léon que tinha de regressar e encontrou-se, finalmente, sozinha no Hotel Bolonha. Tudo lhe era insuportável, incluindo a sua própria pessoa. Desejaria poder, escapando-se como um pássaro, ir rejuvenescer em qualquer lado, bem longe dali, nos espaços imaculados.

Saiu, atravessou a avenida, a Place Cauchoise e o arrabalde, até chegar a uma rua descoberta, ladeada de jardins. Caminhava depressa, o ar puro acalmava-a; pouco a pouco, as caras da multidão, as máscaras, as danças, os lustres, a ceia, aquelas mulheres, tudo se desfazia como bruma levada pelo vento.





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