Acusava Léon por causa das suas decepções, como se este a tivesse traído; e chegava a desejar qualquer catástrofe que viesse separá-los, visto não ter coragem para se decidir.
Não deixava por isso de continuar a escrever-lhe cartas amorosas por força da ideia de que uma mulher deve escrever sempre ao seu amante.
Enquanto lhe escrevia, porém, via outro homem, um fantasma construído das suas mais ardentes recordações, das suas mais belas leituras, dos seus mais fortes desejos; e ele tornava-se-lhe por fim tão verdadeiro e acessível que Emma palpitava maravilhada, sem poder entretanto imaginá-lo com nitidez, de tal modo ele se perdia, como um deus, na abundância dos seus atributos. Habitava a região azulada onde as escadas de seda baloiçam às varandas, ao aroma das flores, ao luar. Sentia-o junto de si, ele ia aparecer-lhe e arrebatá-la toda num beijo. Depois ficava completamente abatida, extenuada; é que aqueles ímpetos de amor vago a cansavam mais do que grandes orgias.
Sentia agora um estado de abatimento constante e geral. Muitas vezes até recebia citações, papel selado, para o qual mal olhava. Desejaria ter deixado de viver, ou dormir continuamente.
No dia da mi-carême, Emma não voltou para Yonville; foi à noite do baile de máscaras. Vestiu umas calças de veludo e meias encarnadas, pôs uma peruca de rabicho e um tricórnio à banda. Pulou toda a noite ao som furioso dos trombones; faziam círculo em torno dela; e encontrou-se de madrugada no vestíbulo do teatro, rodeada de cinco ou seis máscaras de estivadores e marujos, camaradas de Léon, que falavam em ir cear.
Os cafés por ali perto estavam todos cheios. Descobriram perto do cais um restaurante dos mais medíocres, cujo dono lhes abriu, no quarto andar, uma pequena divisão.