Madame Bovary - Cap. 9: IX Pág. 71 / 382

Não é que tivesse medo da cirurgia; sangrava abundantemente as pessoas, como se fossem cavalos, e tinha um pulso de ferro para arrancar dentes.

Enfim, para se manter em dia, assinou La Ruche médicale, um novo jornal de que lhe tinham enviado um prospecto. Lia um pouco depois do jantar; mas o calor do aposento, juntamente com a digestão, faziam-no adormecer ao cabo de cinco minutos; e ali ficava ele, com o queixo apoiado nas duas mãos e os cabelos soltos como uma crina, quase a tocarem no candeeiro. Emma olhava-o encolhendo os ombros. Não ter ela, ao menos, por marido um desses homens de entusiasmos taciturnos que trabalham de noite nos livros e ostentam, por fim, aos sessenta anos, quando chega a idade dos reumatismos, uma enfiada de condecorações na casaca preta e mal feita. Teria desejado que aquele nome de Bovary, que era o seu, fosse ilustre, se visse nas prateleiras dos livreiros, repetido nos jornais, conhecido em toda a França. Mas Charles não tinha nenhuma ambição! Um médico de Yvetot, com quem tivera ultimamente uma conferência, chegara mesmo a humilhá-lo, à própria cabeceira do doente, diante da família, reunida. Quando Charles lhe contou, à noite, o sucedido, Emma levantou a voz, furiosa contra o colega do marido. Charles enterneceu-se. Beijou-a na testa, com uma lágrima. Mas ela estava exasperada de vergonha e tinha ganas de lhe bater; foi abrir a janela do corredor e respirar o ar fresco para se acalmar.

- Que pobre homem! Que pobre homem! - dizia ela em voz baixa, mordendo os lábios.

Sentia-se, além disso, mais irritada com ele. Com a idade, Charles ia adquirindo certos hábitos grosseiros; à sobremesa entretinha-se a cortar as rolhas das garrafas vazias; depois de comer passava a língua sobre os dentes; quando comia a sopa, fazia barulho de cada vez que engolia e, como tivesse começado a engordar, os olhos, já de si pequenos, pareciam subir-lhe para a testa, empurrados pelas bochechas.





Os capítulos deste livro