Madame Bovary - Cap. 9: IX Pág. 72 / 382

Emma, às vezes, metia-lhe para dentro do colete a orla vermelha das camisolas, compunha-lhe a gravata, ou punha de parte as luvas desbotadas que ele se dispunha ainda a usar; e não era, como pensava Charles, por causa dele; era por ela própria, por expansão do seu egoísmo, por irritação nervosa. Às vezes também lhe falava de alguma coisa que tivesse lido, como do trecho de um romance, de uma peça nova, ou de histórias curiosas da alta-roda que vinham no folhetim; porque, afinal, Charles sempre era alguém, sempre com disposição para ouvir e pronto para dar a sua aprovação. Muitas confidências fazia ela à cadelinha galga! E tê-Ias-ia feito até às achas do fogão e ao pêndulo do relógio.

No íntimo da sua alma, contudo, esperava um acontecimento. Como os marinheiros aflitos, percorria com os olhos desesperados a solidão da sua vida, procurando ao longe alguma vela branca nas brumas do horizonte. Não sabia ela qual seria esse acaso, o vento que lho traria para perto, nem para que praia se sentiria levada, se seria chalupa ou navio de três pontes, carregado de angústia ou cheio de felicidades até às escotilhas. Mas todas as manhãs, ao acordar, esperava que viesse naquele dia e escutava todos os ruídos, levantava-se em sobressalto, surpreendia-se de que não tivesse vindo; depois, quando o Sol se punha, cada vez mais triste, desejava estar já no dia seguinte.

Voltou a Primavera. Emma sentia falta de ar com os primeiros calores, quando as pereiras floriam.

A partir do princípio de Julho contou pelos dedos quantas semanas lhe faltavam para chegar ao mês de Outubro, pensando que o marquês de Andervilliers talvez desse ainda outro baile em Vaubyessard. Mas Setembro passou completamente sem cartas nem visitas.

Após o aborrecimento daquela decepção, o coração ficou-lhe novamente vazio e começou outra vez a série dos dias todos iguais.





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