Madame Bovary - Cap. 9: IX Pág. 76 / 382

Charles era demorado a comer; ela mordiscava algumas avelãs, ou então, apoiada no otovelo, entretinha-se, com a ponta da faca, a fazer riscos no oleado da mesa.

Agora deixava andar tudo em casa de qualquer maneira, de modo que a velha Bovary, quando veio passar parte da Quaresma a Tostes, ficou rnui:0 surpreendida com a mudança. Efectivamente, Emma, antes tão cuidadosa e delicada, passava agora os dias inteiros sem se vestir, usava meias cinzentas de algodão e alumiava-se à luz de candeias. Repetia que era preciso economizar porque não eram ricos, acrescentava que se sentia muito contente e feliz, que gostava muito de Tostes, e ainda outros novos argumentos que tapavam a boca à sogra. Aliás, Emma já não se mostrava disposta a seguir-lhe os conselhos; uma vez, até, tendo-se a velha lembrado de sugerir que os patrões deviam vigiar os hábitos religiosos dos seus criados, respondeu-lhe com um olhar tão colérico e um sorriso tão gelado que a velhota não se meteu mais no assunto.

Emma estava-se tornando difícil de contentar, caprichosa. Mandava preparar para si pratos especiais e não lhes tocava; um dia bebia apenas leite puro e no dia seguinte dúzias de chávenas de chá. Teimava muitas vezes em não sair, depois sentia-se sufocar, abria as janelas e punha um vesrido leve. Depois de ralhar asperamente com a criada, dava-lhe presentes ou mandava-a passear a casa dos vizinhos, assim como, por vezes, atirava aos pobres todas as moedas brancas que tivesse na bolsa, se bem que não fosse de se comover nem facilmente acessível à emoção dos outros, como a maioria dos descendentes de camponeses, que conservavam sempre na alma alguma coisa da calosidade das mãos paternas.

Em fins de Fevereiro, o Tio Rouault, como recordação da sua cura, trouxe ele mesmo ao genro um soberbo peru e ficou três dias em Tostes.





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