Madame Bovary - Cap. 11: II Pág. 94 / 382

Passeia-se, imóvel, em países que se julga ver e o pensamento, enlaçando-se na ficção, demora-se nos pormenores ou segue o desenrolar das aventuras. Mistura-se com os personagens; parece que somos nós que palpitamos dentro da roupa deles.

- É verdade! É verdade! - dizia ela.

- Nunca lhe aconteceu - continuou Léon - encontrar num livro uma ideia vaga que já teve, alguma imagem obscurecida que vem de longe e que parece uma exposição completa do seu mais subtil sentimento?

- Já senti isso mesmo - respondeu ela.

- É por isso - disse ele - que aprecio sobretudo os poetas. Acho os versos mais ternos do que a prosa e fazem-nos mais facilmente chorar.

- No entanto, acabam por cansar - continuou Emma. - Eu agora, pelo contrário, adoro as histórias que se seguem de um fôlego e que fazem sentir medo. Detesto os heróis vulgares e os sentimentos moderados, como se encontram na natureza.

- Com efeito - observou o escriturário -, essas obras, não tocando o coração, afastam-se, a meu ver, do verdadeiro objectivo da arte. É tão agradável, no meio das desilusões da vida, poder a gente reportar-se, por intermédio do espírito, a caracteres nobres, afeições puras, quadros de felicidade! Para mim, que vivo aqui, longe do mundo, é a minha única distracção; mas Yonville oferece tão poucos recursos!

- Como Tostes, naturalmente - prosseguiu Emma. - Por isso eu era sempre assinante de um gabinete de leitura.

- Se a senhora quiser dar-me a honra de utilizar a minha bibliotecadisse o farmacêutico, que ouvira aquelas últimas palavras - tem-na à sua disposição; uma biblioteca composta dos melhores autores: Voltaire, Rousseau, Delille, Walter Scott, LÉcho des feuilletons, etc.; além disso, recebo todos os dias diversas folhas periódicas, entre as quais Le Fanal de Rouen, de que tenho a vantagem de ser o correspondente nos círculos de Buchy, Forges, Neufchâtel, Yonville e seus arredores.





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