Havia já duas horas e meia que se estava à mesa, pois a criada Artérnise, arrastando indolentemente pelo lajedo os chinelos de ourelo, trazia cada prato por sua vez, esquecia-se de tudo, não atendia a nada e deixava constantemente entreaberta a porta do bilhar, que batia com a maçaneta do fecho contra a parede.
Sem se dar conta, enquanto falava, Léon apoiara o pé numa das travessas da cadeira onde estava sentada a Sr." Bovary. Nesse dia ela trazia uma gravatinha de seda azul a segurar um colarinho de cambraia aos canudos, como se fosse um colarinho de pregas; e, conforme os movimentos que fazia com a cabeça, assim a parte inferior do rosto se ocultava ou saía suavemente do tecido. Foi assim, um ao pé do outro, enquanto Charles e o farmacêutico cavaqueavam, que eles entraram numa dessas vagas conversações em que o acaso das frases leva sempre ao centro fixo de uma simpatia comum. Espectáculos de Paris, títulos de romances, quadrilhas novas, o mundo que não conheciam, Tostes, onde ela vivera, Yonville, onde presentemente se encontravam, examinaram tudo, falaram de tudo até ao fIm do jantar.
Depois de servido o café, Félicité foi preparar o quarto na nova casa e os convivas em breve dispersaram. A Sr.ª Lefrançois dormia junto das cinzas, enquanto o moço da cavalariça, de lanterna na mão, esperava o Sr. e a Sr. Bovary para os conduzir a casa. Os cabelos ruivos do moço tinham fios de palha entremeados e ele era coxo da perna esquerda. Logo que empunhou com a outra mão o guarda-chuva do padre, puseram-se a caminho.
A povoação estava adormecida. Os pilares do mercado estendiam grandes sombras. A terra via-se cinzenta, como numa noite de Verão.
Como, porém, a casa do médico ficava apenas a cinquenta passos da estalagem, logo chegou o momento de se desejarem boas-noites e o grupo dispersou-se.