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Capítulo 11: X - História do Gebo

Página 70
Era esmola que ele pedia, a chorar – de cabelos brancos estacados.

Um dia andara, rondara, a tressuar de aflição.

Todos o repeliam. Era em certa terça aziaga desse inverno enregelado e torvo. Nem andar podia de amargura e cansaço, e via chegar a noite, horas de voltar para casa, onde a mulher o esperava ansiosa:

– Então? então?... Arranjaste?

Oh se o Senhor lhe valesse! se o Senhor que tudo vê lhe acudisse na sua miséria profunda! Nada.

Todas as portas fechadas, todas as almas fechadas a sete chaves. Então, a chorar, aquele velho ridículo e gordo estendeu a mão a um desconhecido que passava, dizendo palavras desconexas. Tinham fome em casa...

E pediu a um, a outro, encolhido, escondido, bebendo as lágrimas, para que lhas não vissem, numa aflição de rachar pedras. Na mansarda as duas esperavam esse triste e amargurado pão, e ele nem dava pelas ruas por onde caminhava com passos incertos, de bêbado. Suplicava num choro humilde, e nessa noite – terça aziaga – se o Gebo ainda tinha vaidade ficou-lhe aos farrapos na lama.

– Então? arranjaste?

– Valha-me Deus! cá está, mulher! cá está!...

Apesar dos ralhos, todos três se queriam de um profundo, de um admirável amor. A desgraça aniquilava-os juntando-os. Deixava um de comer, fingindo-se farto, para que outro tivesse mais pão; se qualquer deles adoecia, os outros nem dormir podiam, e um dia a mulher enfim tombada, inútil, sem poder erguer-se, chamou Sofia para lhe dizer baixinho:

– Olha se cuidas de teu pai. Nunca o abandones.

Foi sempre um santo.

Desde então ninguém mais lhe arrancou palavra.

Com os olhos aguados, seguia-os pela casa, até que ficou morta. Acabou gasta de lutar um dia e outro com a desgraça numa vida de desespero. Ela era o arrimo, a energia, a força que os sustentava a ambos e impelia para a vida; era ela quem disputava – em vão – braço a braço com o destino férreo, tentando ampará-los, e arrancando-lhe os últimos restos de felicidade.

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Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 70

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154