Esta dama fazia-se chamar marquesa de Parolignac. Uma sua filha, de quinze anos de idade, estava sentada entre os jogadores e advertia-a com um rápido piscar dos olhos das trapacices destes infelizes ao tentarem remediar as crueldades da sorte.
O abade perigordino, Cândido e Martin entraram. Ninguém se levantou, nem os cumprimentou, nem sequer para eles olhou. Todos estavam profundamente atentos ao jogo.
- A Srª. Baronesa de Thunder-ten-tronckh era mais educada - observou Cândido.
Entretanto, o abade aproximou-se da marquesa e falou-lhe ao ouvido; ela, soerguendo-se, honrou Cândido com um sorriso gracioso e concedeu a Martin uma delicada e nobre inclinação de cabeça. Mandou dar uma cadeira e um baralho a Cândido, que perdeu cinquenta mil francos em duas cartadas. Depois cearam alegremente e toda a gente se espantou por Cândido se não mostrar preocupado com a perda de tanto dinheiro. Os criados diziam uns para os outros, na sua linguagem de criados: «Não pode deixar de ser um milorde inglês.»
A ceia foi como a maioria das ceias de Paris. De início o silêncio, em breve um barulho tal que ninguém se entendia, depois gracejos, na sua maioria insípidos, boatos, maus juízos, um pouco de política e muito de maledicência. Falou-se até de livros novos.
- Já lestes - perguntou o abade perigordino - o romance do Sr. Gauchat, doutor em Teologia?
- Sim - respondeu um dos convivas -, comecei a lê-lo mas ainda não o acabei. Temos no nosso país muitos livros impertinentes, mas todos juntos não conseguem aproximar-se da impertinência de Gauchat, doutor em Teologia. Estou tão farto desses detestáveis livros que nos ameaçam submergir que comecei a jogar o faraó.
- E das Mélanges, do arcediago T.